12/15/2009

Ronda pelo Abrupto

DICIONÁRIO DOS DIAS DE HOJE

Atirar lama aos adversários políticos - Enunciar a existência de investigações judiciais em que o primeiro-ministro é referido, seja porque se passou no seu ministério, seja porque está lá a sua família, seja porque apareceu a falar com um dos suspeitos, seja por qualquer razão. Querer esclarecimentos sobre estas matérias então é absolutamente condenável.

Outra variante é:

Comportamentos antidemocráticos (ou vergonhosos, ou inadmissíveis, ou demagógicos, etc.) - É falar da "personalidade" do primeiro-ministro, ou do caso Freeport ou do caso Face Oculta.

Conversas pessoais - Conversas do primeiro-ministro em que o principal detentor do poder executivo discute com um amigo arguido numa investigação judicial, matérias em que decide como governante. Presume-se que o que lhes dá o carácter pessoal é a utilização de uma linguagem obscena, escatológica e pessoalmente insultuosa.

Crise internacional - A explicação para tudo o que corre mal. A explicação para tudo que corre bem é a qualidade da governação e a sageza e determinação do primeiro-ministro.

Crise internacional - Cataclismo internacional que Portugal defrontou "bem preparado". Cataclismo internacional em que Portugal foi o último a entrar e do qual foi o primeiro a sair.

(...)

Espionagem política - Fazerem-se escutas legais e válidas a responsáveis do PS.

Espreitar pela fechadura, coscuvilhices - O mesmo do anterior. Querer saber-se por que razão um juiz e um magistrado entenderam que podia haver conteúdo criminal numa conversa do primeiro-ministro.

Estatísticas - Quando usadas pelo primeiro-ministro, são uma forma de plasticina para adultos.

Homofobia - Ser crítico do casamento dos homossexuais.

Islamofobia - Ter dúvidas sobre a compatibilidade de certas práticas tradicionais no islão com os fundamentos do Estado de direito e das democracias. Deve ser condenada severamente em nome do multiculturalismo e do "diálogo das civilizações".

A maior do mundo, a maior da Europa, a maior da Europa do Sul, a maior do mundo em zona urbana, a maior de sempre a ser construída, a mais moderna do mundo, a mais moderna da Europa, a mais moderna da Península Ibérica, a mais avançada do mundo, a mais avançada da Europa, a mais avançada no seu género, etc., etc. - Caracterização de qualquer coisa que seja inaugurada na área da energia pelo primeiro-ministro no país mais avançado no mundo em matéria de tecnologia de inaugurações.

(...)

Não sabia oficialmente - Sabia de tudo, só que não chegou nada por ofício, pelo que a parte do cérebro que tinha a informação "não-oficial" não comunicou com a aparte do cérebro onde está o arquivo dos papéis oficiais e por isso pode dizer ao Parlamento que "não sabia de nada" sem mentir.

(...)

Violar o segredo de justiça - Crime que é o supremo crime se se tratar de divulgar peças de processos que incomodam o PS, o Governo e o primeiro-ministro. Divulgar peças de processos que incomodam o PSD, o PP ou outros partidos da oposição é uma forma menor de violar o segredo de justiça, inteiramente desculpável pelo interesse público.

CHEGADOS AO IMPASSE, ONDE É QUE ESTÁ A VONTADE DA MUDANÇA?

(...)

Os portugueses sabem que estão metidos num grande sarilho e que as coisas vão piorar, mas preferem as dificuldades que se manifestam de mansinho, o caminho lento para a mediocridade ou para manter a mediocridade, preferem a velha manha camponesa da sobrevivência com os seus mil e um pequenos truques, aprendidos de geração em geração. Não acreditam em nenhuma luz ao fundo do túnel, mas habituaram-se ao túnel e preferem estar como estão a arriscar. Não se lhes pode levar muito a mal, porque como a memória da pobreza é ainda muito recente, o “partido do estado” e os seus subsídios e gratuitidades, o mundo da cunha, da habilidade e do patrocinato, ainda lhes parecem mais eficazes do que correrem qualquer risco cujas consequências desconhecem.

Para além do mais, muitos sabem que os políticos que têm são demasiado parecidos consigo próprios e, mesmo que não o admitam e fumeguem contra a “política”, não querem mudanças. O problema fundamental do impasse português dos dias de hoje é que, estando-se a esgotar o modelo de viver acima da sua própria riqueza, que aguentou os últimos trinta anos, não há forças para a mudança que se exige contra o seu esgotamento. As pessoas acham que não fazendo muitas ondas, podem ainda passar uns anos mais ou menos como estão e que, no futuro, estamos todos mortos. Os portugueses não querem a mudança, esta meus amigos, é a razão fundamental dos impasses todos que cada vez mais bloqueiam tudo: a economia, a justiça, o emprego, a política.

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