3/10/2009

(...) há pessoas que vão trabalhar e quando regressam encontram outras pessoas a viver na sua casa (...)

A câmara não intervém em bairros como o Portugal Novo porque são de privados. Mas os gestores “fugiram” há 20 anos. É o que acontece em mais dois bairros das redondezas, onde quem manda é a insegurança e a degradação.

Os moradores têm contratos assinados nos anos 80, mas não pagam renda. Só têm água e luz por puxadas. As casas são reocupadas vezes sem conta. Na rua, há droga circular e cães perigosos. Junta-se tudo isto e temos bairros como o Portugal Novo onde, este fim-de-semana, foram disparados três tiros (só?) na sequência de uma disputa pela ocupação de uma casa. Esta não é, contudo, uma realidade ímpar. Só naquela zona de Lisboa existem pelo menos mais dois exemplos de cooperativas erguidas no pós-25 de Abril e que hoje são “terra de ninguém”. Nem Gebalis, nem Câmara Municipal de Lisboa assumem a sua conservação por se tratar de gestão privada — mesmo que esta já não exista há duas décadas. No caso do Portugal Novo, os sócios da cooperativa desentenderam-se e “desapareceram” há mais de 20 anos. “As casas não pertencem a ninguém, é um território independente, um condado ou uma ‘offshore’, como entender”, ironiza ao METRO Fernando Braamcamp, presidente da Junta de Freguesia de Alto do Pina. Assim parece ser. Fonte da Gebalis, empresa responsável pela gestão dos bairros municipais, garante ao METRO que o Portugal Novo não integra a sua área de intervenção. A assessoria de António Costa, presidente da CML, diz que a autarquia não pode agir em gestão privada.

A centenas de metros dali, o bairro Quinta dos Lavrados é outro “barril de pólvora” sem dono. Mais uma cooperativa sem gestão. “Apresenta todas as características de um bairro crítico, da degradação dos edifícios à droga”, diz ao METRO Afonso Pereira Costa, presidente da Junta de Freguesia de S. João. “Mais cedo ou mais tarde vai acontecer algo grave”, avisa. Paredes meias com o Quinta dos Lavrados, o Horizonte foi criado nas mesmas circunstâncias e pela mesma cooperativa que o Portugal Novo. Desde 2001, explica Afonso Costa, há planos para o realojamento dos moradores, integrados na reorganização do Vale de Chelas. Também ali não se paga rendas. E também ali a degradação dos edifícios, a insegurança e até a infestação de ratos constituem problemas. Estes são cenários registados pelo líder da organização distrital de Lisboa do PCP, Carlos Chaparro, que, recentemente, visitou estas cooperativas. “As casas são ocupadas, outras estão devolutas. Há prédios sem luz, elevadores e campainhas. Os moradores acabam por auto-organizar-se nestas terras de ninguém”, diz, acrescentando que, só nos bairros sociais de Lisboa, viverão perto de
100 mil pessoas. Estes são problemas bem conhecidos de Arminda Pinto, moradora no Portugal Novo há 14 anos. Mesmo a viver no prédio onde funciona a esquadra da PSP, assegura viver em receio. “Tenho medo de sair à rua com o meu neto e levar um tiro”, diz ao METRO, acrescentando que não é a primeira vez que há disparos no bairro. A falta de gestão é tão gritante que, frisa a moradora, há pessoas que vão trabalhar e quando regressam encontram outras pessoas a viver na sua casa. “Parece que isto não é de ninguém”, conclui.

http://www.readmetro.com/show/en/Lisbon/20090310/2/1/