Nem eu
Chateaubriand dizia que, se é triste envelhecer num mundo que se conhece, é muito mais triste envelhecer num mundo que não se conhece e de que não se gosta. O mundo dele, entre 1815 e 1830, apesar de tudo, não mudou muito. O meu mudou para lá de qualquer possibilidade de reconhecimento. Já sei que vou dar um exemplo ridiculamente banal, mas no fim do dia, quando me levanto da secretária e ligo a televisão, tenho sempre o mesmo choque. Não há nada que, para mim, seja "normal". O fait divers, a política do sound-byte, o soft-core, as perseguições de carro, os peritos de coisíssima nenhuma não fazem parte da civilização em que nasci. Numa parte remota da minha cabeça, admito que devia aprovar a ignorância e a vulgaridade democrática. Infelizmente, não sou capaz. Desisto e leio. De facto, cada vez mais releio os livros de antigamente, suponho que à procura de um pequeno canto de sossego e sanidade.
O Estado também aflige. Por favor, não tomem isto como propaganda política. Imaginem o Estado durante Salazar e Caetano. Existia a PIDE e a censura: e mil tiranetes por aqui e por ali. Não vale a pena repetir o óbvio. Em compensação, o Estado não queria mandar na vida de ninguém. Não proibia que se fumasse. Deixava o trânsito largamente entregue a si próprio. Não andava obcecado com a saúde e a segurança. Não regulava, não fiscalizava, não espremia o imposto até ao último tostão. Um indivíduo, pelo menos da classe média, passava anos sem encontrar o Estado: em Portugal, em Inglaterra, em Itália, na Europa. Acreditam que nunca voltei a sentir o espaço e a liberdade desse tempo?
Estou a "sentimentalizar", a "idealizar" uma realidade, no fundo, horrível? Não me parece. Escrever, por exemplo. Quando comecei a escrever, escrevia. Sob o peso da Ditadura, claro, e sob a pressão do conformismo marxista. De qualquer maneira, escrevia desprevenidamente. Agora, escrever é uma variante de pisar ovos. Os mestres do "correcto" vigiam, como nunca vigiaram os coronéis de Salazar. Até a sociedade portuguesa de repente acordou puritana. Cada cidadão, cada medíocre, cada engraçadinho pode esconder um polícia. Pior ainda: um delator e um explorador do escândalo. Os grandes crimes (como de resto os pequenos delitos) contra o corpo ou qualquer espécie de igualdade não se toleram, nem se desculpam. E, entretanto, o indivíduo morreu. Não fui feito para isto.
Vasco Pulido Valente - http://o-espectro.blogspot.com/
O Estado também aflige. Por favor, não tomem isto como propaganda política. Imaginem o Estado durante Salazar e Caetano. Existia a PIDE e a censura: e mil tiranetes por aqui e por ali. Não vale a pena repetir o óbvio. Em compensação, o Estado não queria mandar na vida de ninguém. Não proibia que se fumasse. Deixava o trânsito largamente entregue a si próprio. Não andava obcecado com a saúde e a segurança. Não regulava, não fiscalizava, não espremia o imposto até ao último tostão. Um indivíduo, pelo menos da classe média, passava anos sem encontrar o Estado: em Portugal, em Inglaterra, em Itália, na Europa. Acreditam que nunca voltei a sentir o espaço e a liberdade desse tempo?
Estou a "sentimentalizar", a "idealizar" uma realidade, no fundo, horrível? Não me parece. Escrever, por exemplo. Quando comecei a escrever, escrevia. Sob o peso da Ditadura, claro, e sob a pressão do conformismo marxista. De qualquer maneira, escrevia desprevenidamente. Agora, escrever é uma variante de pisar ovos. Os mestres do "correcto" vigiam, como nunca vigiaram os coronéis de Salazar. Até a sociedade portuguesa de repente acordou puritana. Cada cidadão, cada medíocre, cada engraçadinho pode esconder um polícia. Pior ainda: um delator e um explorador do escândalo. Os grandes crimes (como de resto os pequenos delitos) contra o corpo ou qualquer espécie de igualdade não se toleram, nem se desculpam. E, entretanto, o indivíduo morreu. Não fui feito para isto.
Vasco Pulido Valente - http://o-espectro.blogspot.com/
2 Comments:
Recomendo agora "Anthem" de Ayn Rand.
as cartas meu, as cartas, corre!
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